Três coisas não saem da minha cabeça quando penso nesse novo fenómeno da federalização da capoeira por aqui. Primeiro, me lembro dos meus mestres, e das diversas histórias que tive a chance de ouvir e aprender deles. Por exemplo, el@s contavam como era ser aluno do Mestre Moraes, de como se aprende até nas gotículas de suor que o corpo transpira. E de como somente depois de bons 20 anos desse aprendizado na capoeira é que alguém consegue segurar a mandinga de ser contramestre. E haja mandinga, porque ser considerado mestre (ou contramestre) não é o objetivo final. Antes pelo contrário, trata-se do início. Início da sua verdadeira responsabilidade com a capoeira, da sua verdadeira batalha pelos valores e fundamentos que dela emanam.
Segundo, eu me lembro da célebre frase do Mestre João Pequeno, quando foi perguntado o que faz um mestre de capoeira: “quem faz o mestre são os alunos!” (pra quem não sabe dessa história, vale a pena ler este post do treinel Haroldo, do Nzinga, no seu Blog do Treinéu). Ora, como o meu mestre pode ser meu mestre se não foi eu que o formei? Se não fui eu quem escolhi e ajudei a desenvolver suas filosofias, seus pensamentos? Como eu posso comer o fruto sem ter plantado a árvore?
Terceiro, penso em árvores, frutos e sementes. Vamos pensar nessa metáfora onde os grupos de capoeira são árvores que dão frutos. O Nzinga Maputo, por exemplo, é um fruto da árvore que é o Nzinga. Quando falamos de federações a coisa fica ainda mais complicada: se eu sou federado a um conjunto de grupos de capoeira, e tenho nesse conjunto a minha referência, meu guia; então de que árvore é que sou fruto? De nenhuma… Ou melhor, de um conjunto de árvores, cujos frutos podem ser cocos, goiabas ou cajus. Há um sério problema de identidade, de família, de reconhecimento aí. Não sou fruto de uma árvore, mas de um conjunto de árvores… Mas afinal, sou coco, caju ou goiaba? Aiaiai complicado né? Pois, é essa complicação que muitos grupos da África Austral escolheram pra si.
De certa forma, é compreensível: em Moçambique não vive nenhum mestre de capoeira, e os grupos todos (ver este post sobre os grupos de Maputo) batalham pra encontrar alguma referência. Assim, cada vez que vem um mestre, os grupos todos vão aos workshops pra aprender. Compreensível, sim… Mas preocupante também. Afinal, grande parte do aprendizado da capoeira é a compreensão do respeito pelos fundamentos, a continuidade de uma certa linhagem. Se todos os capoeiristas se alimentassem de qualquer mestre que aparece perto deles, a capoeira simplesmente perderia o sentido. Trocaríamos a diversidade tão rica e deliciosa desta arte por uma homogeneização aos moldes de wall-mart. Assustador, não? Pois, de certa forma ando assustado pois parece que é isso é o que está acontecendo por aqui. A tal federação cujo mestre esteve cá já conseguiu angariar pelo menos cinco grupos da África Austral, e tem planos pra ir mais longe. Se pudermos ao menos pensar sobre estes aspectos, estaremos já contribuindo pra salvar a capoeira desse processo grotesco.
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